Era dia 1 de Maio, o Primeiro de Maio.
Estava eu "esvacalhado" no sofá a ver um documentário qualquer num daqueles canais derivados do National Geographic quando, já pela tarde, tocou o telefone.
Era o Carlos Bastos a desafiar-me para no dia seguinte irmos dar uma volta de mota.
Sim, claro, respondi eu numa calma olímpica!
Vamos até à Arrábida e almoçamos um peixinho algures por aqueles lados, propus eu!
Apetecia-me dar uma volta maior mas não sei onde, respondeu ele.
Vamos até ao Douro? Alentejo? À Galiza?
Nada...
E, do nada, saltou para a conversa... Picos da Europa!
Boa ideia! Quando vamos, perguntei.
Pode ser amanhã de manhã, se quiseres!
Está feito!
Daqui a pouco, quando tiver as coisas arrumadas, telefono-te!
Desliguei e, meio atarantado com a decisão, lá sosseguei a cabeça para organizar a bagagem.
Vou buscar o saco velho do costume que cabe na "top case" da moto e vai de seleccionar a roupa que levo.
Cada vez levo menos e chega sempre e sobra!
Nos dois pequenos alforges laterais levo fato de chuva, uns petiscos para o caminho, umas ferramentas, óleo da transmissão da mota...
Acho que está tudo.
Pelo sim, pelo não actualizo no telemóvel os mapas da Cantábria, Astúrias, Leon e Castela e Galiza. O Carlos conhece bastante bem a zona, eu também já lá estive e temos a mania dos mapas mas pode dar uma ajuda.
Telefono-lhe de volta dizendo-lhe que estava tudo pronto para irmos.
Horas para sair?
Gostamos de sair cedo para aproveitar o dia mas, na verdade, já não durmo grande coisa nestes dias com a agitação da saída!
Já que não durmo, saio cedo!
Fica para as 6h!
Feito!
Dia 1 - 2019-05-02
Ainda antes das 6h saímos.
Eu já sabia que o Carlos também não sossega nestes dias!
Os dias de ligação são sempre aqueles que mais custam, não só pelos cerca de 800 km a vencer até Boca de Huérgano (Riaño) mas também pelo tipo de estradas que faremos.
Os troços em auto-estrada são chatos, vê-se pouco e, em Portugal, são caros.
Assim sendo tentamos um mix que, não sendo a forma mais rápida de lá chegar, tem variações que despenalizam a monotonia das AE´s.
Saída de Lisboa pela A1 em direcção à A23 passando pelo meu Km 91,4 onde em Agosto de 2018 fiquei "agarrado" com um furo no pneu traseiro.
Desta vez, logo a seguir, quando entramos na A23 alinham-se à nossa frente a Lua e Vénus num horizonte ainda baixo e de lusco fusco.
Era, certamente, um indicativo de bom presságio. Pelo menos gosto de pensar que era assim, apesar de ser pouco dado a astrologias!
Pelos lados de Abrantes fugimos à A23 e íamos saindo e entrando para fintar os pórticos. O Carlos é "craque" na coisa já que é nativo da Guarda!

Na verdade toda esta zona desde Bragança merece, só por si, uma dedicada visita pelo tanto que oferece.
Recuperamos o fôlego naquele agradável local e retomamos o caminho.

A caminho de Riaño fica-nos a vontade de voltar a um local que informava existir ali perto uma estrada romana. Talvez na volta...
Antes de Riaño, ao fundo, o horizonte muda drasticamente anunciando a presença destas fantásticas montanhas. Não há como não gostar daquela vista!

Não trazíamos nada marcado para ficar no Hotel de La Reina.
É um pequeno hotel familiar com um pessoal naturalmente simpático e muito frequentado pela Tribo das Motas, portanto, boa gente!
Vínhamos confiantes mas ver umas quantas motos paradas por ali levanta-nos a dúvida se existirão vagas. Se não houvesse talvez o melhor fosse ir de novo para Riaño onde a oferta é maior.
Mas estava tudo bem e havia lugares.
Motos encostadas e nada melhor que um banho para recuperar!

Acabamos por jantar juntos no hotel já que a conversa era agradável e sempre desemperrámos o nosso francês. Para mais o preço do menu é mais que justo. São também estes bocadinhos que dão alma a uma viagem e que nos ensinam que é muito melhor ser um visitante, respeitador de quem está, do que apenas um turista ávido de cumprir à letras os passos perfeitos dos guias e das reviews.
Passam-nos, entretanto, a informação que o Desfiladeiro de Beyos está cortado devido a uma derrocada. Temos que decidir forma de contornar aquilo. Logo se vê lá para as bandas de Cangas de Onís.
Vamos dormir que amanhã há mais!
Dia 2 - 2019-05-03
Uma taça de café para acordar e uma tostada a acompanhar!

Saímos em direcção a Potes pelo Puerto de San Glorio.
São os primeiros contactos com a presença física da montanha ali mesmo! Apetece começar a parar para tirar umas fotos! É quase inevitável esta sensação, pelo menos para mim.
As previsões meteorológicas eram boas mas isso não interessa nada.
Em Puerto de San Glorio, a cerca de 1.600m de altitude, a natureza mostra quem manda aqui. Nevoeiro cerrado e uma chuva miudinha cortam-nos a vista para o vale e obrigam-nos a circular bem devagar. Existe um miradouro bonito neste trajecto, o Mirador del Cervo mas só demos por ele quando lhe passamos ao lado! Tal era! É assim durante uns quilómetros até sairmos daquele "chapéu" a meio caminho de Potes.

Num recorte com mesas de piquenique paramos pois a moto do Carlos ficou sem luzes de médios. Não convinha nada mas, ao que consta, esta GS é uma "papa-médios" e ele tem uma suplente!

Coisa simples que se complicou. Primeiro partiu-se uma das protecções em plástico dos contactos e depois saiu do sítio o arame que agarra a lâmpada e nunca mais atinávamos com aquilo!
Ainda saltaram da mala as ferramentas mas lá se resolveu a coisa sem necessidade de abraçadeiras, atilhos e adesivo!
Até Potes sempre a descer com paragem quase que obrigatória para visitar esta pitoresca localidade. Sim, é turística, mas vale a pena.

Um pouco mais acima a pequena Ermida de San Miguel oferece uma vista soberba. Valeu este desvio.


Regressamos a Potes para apanhar a N621 em direcção a Panes pelo Desfiladeiro de La Ermida que não sendo o mais apertado ou espectacular dos que por aqui existem é o mais longo de todos impondo-se também fortemente na paisagem.
Dali para Cangas de Onís a estrada é um pouco mais larga (AS114) e as curvas menos acentuadas pelo que o percurso se torna um pouco mais rápido.
Infelizmente as névoas não deixaram os cumes e o Naranjo de Bulnes esteve sempre escondido. Nessa medida também não fomos a Sotres e Treviso mas são localidades que valem a pena ser visitadas.


Voltamos a Cangas de Onís e procuramos local para dormir que facilmente se decide assim que paramos a moto. Ficamos mesmo ali na rua da "Ponte Romana" que julgo ser Medieval com a sua bela Cruz da Vitória suspensa na mesma.

Antes de ir dormir procurei um banco que não me levasse a bela comissão de Eur 2,00 por levantamento. Lá encontrei uma ATM, no Liber Bank. Mas foi ainda melhor... deu-me o papel com o comprovativo de levantamento de Eur 150,00 mas não me deu o dinheiro! Vamos ver o que acontece na minha conta! Senti-me num casino a acabar de perder uma aposta!
Dia 3 - 2019-05-04
De autocarro até aos lagos! Sim, de bus!



complementam a nossa visita

Voltamos a perguntar no Turismo se o Desfiladeiro de Beyos estava ainda cortado. Disseram-nos que, por ser fim de semana, param os trabalhos e é possível passar numa faixa apenas recorrendo-se de sinalização com semáforo. Excelente novidade que nos pôs a caminho pela N625 até ao tal desfiladeiro mais do que desejado! E vale mesmo a pena! É talvez o mais apertado de todos sendo quase claustrofóbico em alguns pontos. Notável obra de engenharia encaixar esta estrada aqui!
Deixamos as escarpas e seguimos para Puerto de Ponton, viramos à esquerda para uma estrada de montanha (LE244) pelo Puerto de Panderruedas em direcção a Caín, passando por Posada de Valdeón. Após esta povoação a estrada até Caín que acompanha o Rio Cares é muito estreita pelo que há que ter cuidados redobrados. Atenção às restrições ao tráfego em alturas de grande afluência de gente. Existe aqui a possibilidade de apanhar um autocarro desde Posada de Valdeón.

Imperdíveis as falésias, aquelas passagens em túneis, as pontes e o trilho escavado na rocha! Há que o fazer e recordar para sempre! A não falhar!
No regresso ao parque de estacionamento encontramos um simpático grupo vindo de Portugal, também a viajar em moto, com o lema "Volta Pipi (estás perdoado)". Pipi porque iam fazer os Picos da Europa e os Pirenéus entre 2 e 16 de Maio! Valentes!


Desta vez ainda mais gente ali junto ao hotel. E já não era cedo. Volta a correr tudo bem e arranjam-nos quarto para dormir. Correu mesmo bem!
Repetimos ali o jantar pois é uma óptima solução e na companhia do tal grupo que encontramos em Cain que também ali estavam alojados e que, simpaticamente, nos oferecem um "tócolante" da sua volta Pipi! Que façam uma boa viagem! Isto acaba por ser pequeno nestas voltas por estes vértices.
Dia 4 - 2019-05-05
E era dia de voltar! As noites por aqui ainda são frias e esta não foi excepção. -4ºC durante a madrugada deixaram as motas com uma camada de gelo em cima e o alcatrão também com gelo, especialmente nas zonas de sombra.
Pelo sim, pelo não e apesar de a estrada ter sal e ser rugosa adiamos a saída até que a temperatura subisse um pouco mais.
A meio da manhã fazemos as despedidas cordiais a estes simpáticos responsáveis do hotel e decidimos que viríamos pelo Douro onde poderíamos pernoitar na casa que foi dos meus avós paternos.



Pajar del Diablo e no Pico Llobera. Encontra-se este troço ainda em muito bom estado mostrando a construção cuidada, quer do piso quer dos taludes, naquele local acidentado. As vistas para o rio Esla para os prados e para a estrada que o acompanha são fantásticas por entre os bosques de carvalhos. Valeu a pena esta incursão acidental!






Dia 5 - 2019-05-06

Regresso a Lisboa mas, já que aqui estamos, ainda vamos inventar mais umas curvas pela N323 para ir até um miradouro numa estrada abandonada junto a Távora e depois visitar o Eremitério de São Pedro das Águias.



Resta-me agradecer ao meu companheiro de viagem Carlos Bastos a excelente companhia. Ainda por cima beneficiei do facto de ele conhecer melhor a zona. Nem a chuva nos incomodou, o que não é fácil por estas paragens! Apenas umas névoas a esconder uns cumes aqui e ali mas aqui manda é a natureza e contra isso não vale a pena lutar.
Até um dia destes!